29/01/2018
MAIS UM PASSO NA DIREÇÃO DO FIM DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NO BRASIL
POR: MAURICIO RAUPP MARTINS
El velo semitransparente
Del desasosiego
Un día se vino a instalar
Entre el mundo y mis ojos
Yo estaba empeñado en no ver
Lo que vi, pero a veces
La vida es más compleja
De lo que parece
La vida es mas compleja de lo que parece- J. Drexler)
Diversos atores do mundo do trabalho (Juízes do Trabalho (mais de 600), Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, Procuradores do Trabalho, Auditores Fiscais do Trabalho, Desembargadores dos Tribunais Regionais do Trabalho, Advogados trabalhistas de empregados e empregadores entre outros) estiveram reunidos durante a Segunda Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, a qual ocorreu no decorrer do presente mês, onde analisaram o conteúdo da Lei 13.467/2017, a denominada Reforma Trabalhista.
Após amplos e democráticos debates foram aprovados 125 Enunciados, por meio dos quais verifica-se um indicativo de como a referida Lei poderá vir a ser interpretada pela magistratura trabalhista.
Como não poderia ser diferente foram analisados diversos aspectos da referida leio, quer em confronto com a Constituição Federal, quer com relação a Tratados Internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil, que em confronto com o texto da própria Consolidação das Leis do Trabalho. Não há outra maneira de interpretar uma lei, se não levando em consideração a sua inserção dentro do ordenamento jurídico vigente no país, bem como em consonância com os princípios próprios que regem determinado ramo do direito, no caso em tela o Direito do Trabalho (aqui vigoram os princípios da proteção, da continuidade da relação de emprego, aplicação da norma mais favorável entre outros).
Os Enunciados, nada mais são, do que fruto deste modo de interpretação das normas jurídicas, o que ocorre no mundo todo e inclusive no Brasil, conforme daremos alguns exemplos mais adiante. Nada mais normal do que isso, nada mais legal do que isso e nada mais democrático do que isso.
Lembre-se, ainda, que os Enunciados de tal jornada não possuem efeito vinculativo, sendo apenas um indício de como parte da magistratura trabalhista poderá vir a interpretar a referida Lei.
Os enunciados, portanto, ao abordarem a Lei em confronto com a Constituição e Tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil, apontam para diversas situações em que a Lei não poderá ser aplicada dada a sua gritante inconstitucionalidade, em outras situações, adapta o texto da lei ao conteúdo da Consolidação das Leis do Trabalho e aos princípios do Direito do Trabalho, mitigando o alcance da Lei.
Ora, se a Lei é inconstitucional não se aplica, restando aplicar o ordenamento jurídico anterior ou alguma norma contida em diploma legal que se aplique ao caso e não seja inconstitucional.
Se a lei colide com princípios próprios do Direito do Trabalho ou com dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho ainda em vigor, a lei deve, sim, ser adaptada para o campo do Direito do Trabalho. Caso contrário, não haveria sentido falar-se em Direito do Trabalho. Um ramo específico do direito somente pode assim ser considerado, se preencher uma série de requisitos, a tal ponto de comprovar que possui autônima, características próprias que o distinguem de qualquer outro ramo do direito. O direito do trabalho é um destes, e, portanto, não se pode pretender misturar água e óleo. Toda e qualquer lei, ao ser aplica neste campo terá de ser necessariamente adaptada.
Assim, por exemplo, quando a Lei 13467/2017, busca dificultar a caracterização de grupo econômico, exigindo a prova de interesses integrados, da comunhão de interesses e/ ou atuação conjunta das empresas, o entendimento expressado pelos magistrados, por meio do Enunciado de Número Cinco – Comissão 1- é no sentido de que deve haver inversão do ônus da prova, incumbindo ao empregador o ônus de comprovar a ausência de interesses e/ou da atuação conjunta da empresas, com base na aplicação dos princípios da aptidão da prova e da paridade de armas em concreto 9 isonomia processual). Ou seja, se há identidade de sócios em várias empresas é de se presumir que estas atuem em conjunto, com conjunção de interesses. Prova em sentido contrário cabe ao empregador, na medida em que este possui maiores condições – técnicas, documental – de produzir a prova. Para assegurar, o equilíbrio entre as partes inverte-se o ônus da prova.
Eis aqui um exemplo do que é adaptação da Lei á realidade existente no campo de um ramo específico do Direto, no caso do Direito do Trabalho.
Pois bem, esta simples interpretação parece, a qual, repita-se não vincula nenhum juiz, e é feita através de um método aplicado no mundo todo e, inclusive no Brasil, na visão de integrantes do legislativo, executivo e mesmo de alguns integrantes das mais altas cortes judiciais do país (STF), é denominada de rebeldia e começam a surgir dede ameaças a punições a juízes que entenderem não se possível a aplicação da Lei ou que a aplicação deverá ser adaptada. Pensar e interpretar a lei é visto como um ato de rebeldia e, assim, deve ser punido. Setores das grandes indústrias falam em contra- atacar juízes que não apliquem a lei e se fala em punições a juízes através do CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Por fim, volta-se a falar em extinção da Justiça do Trabalho
Em qualquer uma das hipótese sendo aplicada, ai sim, diante do fim do Estado Democrático de Direito no Brasil.
A todo juiz é assegurado o livro convencimento, sendo-lhe exigido, isto sim, uma decisão fundamentada. Ora, qual o crime que comete um juiz que interpreta a lei de maneira adequada, dentro de um método universal e chega a uma conclusão diferente da constante da literalidade da LEI.
Há de se ter em mente que no Brasil o controle de constitucionalidade é feito por juízes de primeiro e segundo graus, bem como pelo STF, os chamados controle difuso e controle concentrado. Portanto, declarar a inconstitucionalidade de uma lei é direito e dever de qualquer juiz, sendo que a lei assim dispõe.
Pois bem, não se interpreta uma lei de forma isolada, senão no conjunto do ordenamento jurídico vigente no país e não é porque uma lei foi aprovada e sancionada que ele não apresente inconstitucionalidades.
Citamos aqui dois texto que foram interpretados pelo STF e que caminharam no sentido diverso da literalidade. Um deles, refere-se a um artigo inserido na própria Constituição Federal e outro do atual Código Civil Brasileiro.
O artigo 226 parágrafo terceiro da Constituição Federal estabelece:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
O texto constitucional é claro: união entre Homem e Mulher. Buscou-se a interpretação histórica, ou seja, os registros históricos pré texto constituional. Lá buscaram, se a intenção do legislador seria , de fato, proteger apenas a união entre homens e mulheres ou haveria algum indício de que a união entre pessoas do mesmo sexo também deveria ser protegida.
E lá também, de forma clara, verificou-se que a intenção era proteger a penas a união estável entre homens e mulheres.
Ainda assim o Supremo Tribunal Federal acabou assegurando a proteção, também, para casais formados por pessoas do mesmo sexo. A Constituição, então, é incostituicional ? Não, apenas de interpretou o artigo da CF em conjunto com a totalidade da própria CF. O artigo não sobreviveu ao confronto com o princípio da dignidade da pessoa humanada, da igualdade, da proibição de distinção de raça, sexo gênero etc. portanto, não se interpreta uma lei de forma isolada e nem mesmo a CF pode ser interpretada em tiras, mas em um conjunto integral.
O artigo continua no mesmo lugar dentro da CF e com a mesma redação, mas, onde se lê homens e mulheres entende-se união entre homens e mulheres, homens e homens, mulheres e mulheres.
Houve alguma rebeldia aqui? algum crime foi cometido? Alguém foi punido?
A resposta é negativa e não poderia ser diferente. Impedir o pensamento e a interpretação de textos seria congelar a evolução de uma sociedade.
A situação se repetiu a poucos meses quando o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil Brasileiro, o qual prescreve;
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
O referido artigo fazia uma clara distinção entre companheiro/a e esposo/a. Ou seja, quando da sucessão o companheiro/a não participava em condições de igualdade com o cônjuge (esposa/esposa).
Por meio da decisão proferida no recurso extraordinário 878.694 MG houve equiparação entre a união estável e casamento, par efeitos sucessórios.
Quem assim o fez : O stf, a mais alta corte do pais e o faz, mais uma vez, com base na interpretação conjura do ordenamento jurídico, de vez que o princípio da igualde, da dignidade da pessoa humana, da proibição de distinção de raça, sexo, gênero são superiores as previsões contidas no CCB. Logo o artigo que citado, colidir com a CF não se sustenta.
A pergunta é, porque só os juízes do trabalho não podem interpretar, deve seguir a risca a literalidade de uma Lei que contraia, em muitos aspectos a CF, o texto da CLT , Tratados internacionais e princípios próprios do Direito do Trabalho.
Ilegal é proibir os juízes de interpretar a lei, ilegal são os artigos que colidem com a CF, CLT, Tratados Internacionais, CLT e princípios próprios do Direito do Trabalho.
Assim sendo, qualquer punição, retaliação a magistratura trabalhista será a queda definitiva desta aparente democracia em que vivemos, o fim do Estado Democrático de Direito no Brasil.
Mauricio Raupp Martins
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